Pesquisar no site

Reflexões

Reflexões em meio a natureza do Rio do Ouro em Maquiné - RS (2009)

19/09/2014 10:02
                Dias passados em meio a natureza exuberante, em um local outrora muito habitado, hoje em dia praticamente abandonado, ainda sem energia elétrica e acesso relativamente precário, foram ótimos para...

Sonhos em uma terra distante (2007)

27/06/2014 16:36
Como exemplos poderia citar as aspirações de três colegas de trabalho, as pessoas com quem tive mais contato pessoalmente. Todos sul-americanos, trabalhávamos para uma empresa de marketing em uma campanha de representação de uma das companhias energéticas locais, dominante no setor de fornecimento...

Imigração e vida boa na rica Europa (2007)

27/06/2014 16:35
Todos querem vir para a Europa. Pelas ruas de Barcelona nota-se claramente que há gente oriunda das mais variadas localidades e etnias. Africanos, orientais, latinos, europeus orientais, todos rumam para as aglomerações urbanas em busca de trabalho com melhores salários e condições de vida. Os...

Histórias

Delícias na França

27/06/2014 16:01
                  Ah, os queijos franceses! Seja em feiras livres na rua, supermercados ou nas casas das pessoas, sempre havia uma infindável variedade deles. De vaca, de cabra, secos, frescos, com fungos ou claros ou...

Reflexões em meio a natureza do Rio do Ouro em Maquiné - RS (2009)

19/09/2014 10:02

                Dias passados em meio a natureza exuberante, em um local outrora muito habitado, hoje em dia praticamente abandonado, ainda sem energia elétrica e acesso relativamente precário, foram ótimos para refletir. Agora começo a me sentir um morador, apesar de que compromissos acadêmicos infindáveis me forçam a voltar para a capital, onde escrevo. Ainda preciso reacostumar-me ao lápis e papel, apesar da ausência do backspace e de um ritmo mais lento.

                Acordar na hora em que o corpo quer, escutando os cantos dos passarinhos e o ruído do rio próximo. O barraco (como o povo local gosta de chamar casas rústicas) é modesto, com quarto, cozinha e uma área coberta na frente. Feito de tábuas de madeira de lei, dessas que não existem mais hoje em dia – a não ser que você compre madeira da Amazônia ou da área de inundação de uma barragem - pois, conforme o padre Rambo, já caíram sob o machado do colono lenhador. São de louro, cedro, canjerana, pinheiro araucária, entre outras. Não que estas espécies estejam extintas, mas as árvores hoje em dia são jovens, de troncos finos, quando comparadas com as gigantes centenárias do século XIX. As de hoje em dia nem tiveram tempo pra criar cerne, a parte central do tronco com a qual foram feitas as tábuas que me abrigam. Já devem ter sido serradas há muitas décadas e, se bem cuidadas, vão continuar existindo mesmo depois que eu já tiver abandonado este mundo.

                A vegetação, Mata Atlântica strictu sensu, é exuberante. Aproximadamente a 35 anos atrás, devido a apelos conservacionistas, esta região passou a sofrer severas restrições de uso na terra, como proibição de corte e queima da capoeira, proibição de corte da vegetação a 25m de cada lado de cursos d’água, e de terreno inclinado. Isso impossibilitou a manutenção do estilo de vida colonial que ali existia, pois dependiam basicamente da roça para a sobrevivência, e as famílias já haviam se tornado numerosas. Somado a isso, a abertura de estradas, ao aparecimento de maquinário agrícola para produção de larga escala em terrenos planos, e a existência de comodidades como luz elétrica nas cidades, ocasionou um forte êxodo rural. Isso possibilitou que a natureza da região se recuperasse, de forma impressionantemente rápida, provavelmente devido ao clima e topografia da região, úmido e relativamente quente. Agora, na visão do forasteiro visitante ou imigrante, a paisagem é linda e a natureza brilha com todo seu esplendor. Entretanto, na visão dos nativos, a paisagem era linda antes: roças de milho, feijão, trigo, arroz, etc, cobrindo boa parte das montanhas e várzeas da região. Somente no “peral” alguma vegetação nativa era deixava intacta.

                Aqui estou, tentando cultivar plantas úteis, viver em parte do que a terra me proporciona. Já sei de antemão que a tarefa é difícil, exige muito trabalho, conhecimento cuidado, e que não poderei me ausentar por muito tempo. Os recursos do local são abundantes, há muito espaço, madeira, solo, água e vida. Entretanto, falta outro, muito importante: gente. É incrível como num lugar tão próximo à Babilônia Gaudéria e ao Litoral Norte, exista um local assim, um deserto de seres humanos. Certos dias, vejo apenas um ser humano; nos domingos, é costumeiro passar o dia sem ver ninguém. Isso que o barraco é na beira da “estrada”.

                Tocar as coisas, sozinho, é difícil. Sempre que preciso de ajuda (que são concomitantemente aulas práticas, afinal sou praticamente um gaúcho de apartamento) tenho que pagar pela mão de obra. As amizades são feitas, e vez por outra também ganho uma ajuda, uma dica, uma mão para uma tarefa leve e rápida. De qualquer forma, para as tarefas de um dia, roçadas, capinas, plantios, construção, preciso contratar gente. Contudo, a mão de obra é cara. Seu custo financeiro é baixo para os urbanos, acostumados à sugação das grandes cidades. Mas o retorno em dinheiro é praticamente nulo, pois é muito difícil escoar a produção de um local assim, aonde um caminhão chega aos trancos e barrancos. Por isso a decisão de fazer uma pequena plantação de meio hectare de eucalipto: uma poupança para o futuro, já que as árvores só precisam ser cortadas uma vez e possuem bastante valor. Muitos criticam o eucalipto, mas seguem vivendo em seus apartamentos, comendo comida industrializada cheia de embalagens descartáveis, e por vezes indo trabalhar sempre de carro. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Outra opção são produtos de valor agregado em pouco volume: mel, geléias, sucos, polpas, carne, ovos, etc. Outros produtos seriam somente para o autoconsumo. Há que se adaptar a realidade local e regional. Essas são idéias presentes e futuras.

            Senão, será preciso sempre trabalhar fora, para trazer o dinheiro para investir em mão de obra, mudas, sementes, ferramentas, materiais de construção, etc. O local fica insustentável, já no primeiro ponto: o econômico. Pouco adianta a sustentabilidade ecológica, neste caso. É uma opção, de fato a mais viável e compreensível para a sociedade, especialmente para alguém estudado: trabalhar fora num emprego comum, e usar o local como retiro de descanso, lazer e produção de hobby nos finais de semana. E é o caminho que tomarei este ano, trabalhando no censo 2010 do Brasil, em Maquiné.

            E a solidão, acompanha. No início, a tranqüilidade permite descansar e baixar a rotação, porém pelo final da primeira semana é mais difícil, quando um está acostumado a companhia dos pais, amigos e multidão anônima da capital. Logo após, o ritmo tranqüilo e sem grandes preocupações toma conta do espírito. Fazer fogo, preparar a comida, refletir e beber um trago ou chá à noite passa a ser algo normal, e se começa a tomar gosto pela coisa. Claro que ocasionalmente é necessário visitar a Barra do Ouro e os amigos, fazer compras de alimentos e ferramentas, conversar, combinar empreitadas, passeios e festas.

            Uma inquietação permanece: num lugar lindo como este, com tanta coisa para ser feita e tanto para ser desfrutado na companhia de pessoas queridas, onde estão elas? Em um ônibus lotado, respirando gases tóxicos? Ou sentadas num bar ou na frente da TV, tomando a oitava cerveja, crescendo a pança? Talvez de cabeça quente, tendo que entregar um trabalho amanhã pela manhã? Provavelmente em algum momento também estarão curtindo algo melhor, olhando e cobiçando os milhares de corpos que circulam agitados na night, algo a dois, ou entre oito amigos, enquanto sigo solitário com minha caneca de chá de cidró, os grilos, a rede, a flauta e as estrelas (e o binóculo, que brinquedo bom, melhor que qualquer TV de plasma). Realmente gostaria de compartilhar isso com mais gente, mas ninguém se importa, pois a vida é corrida e não há tempo a perder. Um dia assim seria o desperdício de uma oportunidade para ganhar mais dinheiro ou crescer na carreira. Poucos se permitem uma parada.

            Isso me leva ao maior desafio para a sustentabilidade, apesar de toda publicidade e preocupação mundial: a ausência de mão de obra para trabalhar na terra, em algo palpável, que faça trabalho útil de fato, que produza algo. Parar de ser apenas um consumidor, como diz o PROCON, e ser também um produtor. Para isso é preciso estar mais próximo da terra; dali que vem todos os recursos, apesar de que um operário industrial ou um pedreiro também está produzindo algo (transformando, na realidade). Entretanto, boa parte da gente do campo anseia em ir para a cidade. Na realidade, os que permanecem ou não gostam mesmo da cidade, ou não querem arriscar.

            Isso acarreta que temos cada vez mais consumidores, e menos produtores. Estes poucos tem de sustentar as massas urbanas. Como diz o velho ditado, a cidade depende do campo, mas o campo não depende da cidade. Recursos entram na cidade, e só saem detritos, resíduos, esgotos. Claro que também são produzidos bens manufaturados, cultura e conhecimento, mas mesmo assim, o déficit material é grande. Infelizmente, em 2007 a estatística nos trouxe o dado de que metade da população mundial já vive em cidades.

            Nas cidades, torna-se impossível fechar os ciclos. Não há espaço para armazenar e processar a gigantesca quantidade de resíduos orgânicos produzidos, recolocando-os no ciclo da natureza. Também não há como dar um destino adequado aos esgotos, pois a elevada densidade populacional torna os dejetos muito concentrados. Claro que existem estações de tratamento e toda uma parafernália de processamento e saneamento mas, mesmo assim, a matéria orgânica que alimentou a colméia de primatas ali presente, oriunda de alguma plantação a 50 ou 500km de distância, não consegue voltar para fertilizar a terra daonde foi retirada. Daí decorre a dependência extrema da agricultura de fertilizantes sintéticos.

Logo, precisa-se de reforços. Gente que queira sair do sistema imposto, da correria do trabalhe, consuma, desfrute, durma pouco, para viver uma vida mais balanceada, tranqüila, com uma combinação saudável de trabalho físico e mental. Nada de fulano ficar o dia todo batendo picareta e enxada, estragando as costas, enquanto beltrano fica o dia todo no computador, sentado, comendo doces e salgadinhos, para depois sofrer de diabetes e hipertensão. Também não precisa ser em um local remoto como esse (apesar de que é bom demais passar uns tempos por aqui), mas onde exista água, solo, florestas, campos, espaço livre. Onde possamos fechar os ciclos, dando um destino final adequado aos nossos resíduos, enquanto produzimos parte do que nós e os outros necessitamos. Podemos e devemos usar tecnologias, que facilitem o trabalho. Mas elas devem ser repensadas, evitando-se aquelas que tragam demasiados efeitos danosos para as pessoas e o ambiente. É algo a começar a se refletir, nessa época em que tanto se fala sobre meio ambiente, mas pouco se faz. Depois de alguma reflexão, é preciso tomar coragem e encarar a jornada.