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Reflexões

Reflexões em meio a natureza do Rio do Ouro em Maquiné - RS (2009)

19/09/2014 10:02
                Dias passados em meio a natureza exuberante, em um local outrora muito habitado, hoje em dia praticamente abandonado, ainda sem energia elétrica e acesso relativamente precário, foram ótimos para...

Sonhos em uma terra distante (2007)

27/06/2014 16:36
Como exemplos poderia citar as aspirações de três colegas de trabalho, as pessoas com quem tive mais contato pessoalmente. Todos sul-americanos, trabalhávamos para uma empresa de marketing em uma campanha de representação de uma das companhias energéticas locais, dominante no setor de fornecimento...

Imigração e vida boa na rica Europa (2007)

27/06/2014 16:35
Todos querem vir para a Europa. Pelas ruas de Barcelona nota-se claramente que há gente oriunda das mais variadas localidades e etnias. Africanos, orientais, latinos, europeus orientais, todos rumam para as aglomerações urbanas em busca de trabalho com melhores salários e condições de vida. Os...

Histórias

Delícias na França

27/06/2014 16:01
                  Ah, os queijos franceses! Seja em feiras livres na rua, supermercados ou nas casas das pessoas, sempre havia uma infindável variedade deles. De vaca, de cabra, secos, frescos, com fungos ou claros ou...

Imigração e vida boa na rica Europa (2007)

27/06/2014 16:35

Todos querem vir para a Europa. Pelas ruas de Barcelona nota-se claramente que há gente oriunda das mais variadas localidades e etnias. Africanos, orientais, latinos, europeus orientais, todos rumam para as aglomerações urbanas em busca de trabalho com melhores salários e condições de vida. Os motivos são claros: qualquer pessoa empregada em um serviço de baixa qualificação pode receber uma remuneração mensal inicial em torno de 1000 euros, o que lhes permite levar uma vida confortável e adquirir bens de consumo inalcançáveis em seus países de origem. Além disso, a presença maciça de lojas anunciando “envio de dinero rápido para el exterior, bajas comissiones” evidencia que estes intrépidos trabalhadores estão dando suporte às famílias que deixaram para trás, já que ao converter o euro para as moedas locais o resultado lhes permite também levar uma vida sem privações e com certo conforto.

Esta pujança permite que todos possam renovar constantemente seus bens de consumo, o que ocasiona outro fato curioso: a constante presença de eletrodomésticos e móveis de todos os tipos jogados nas ruas, próximos às gigantescas latas de lixo, a maioria dos quais se encontram razoalvemente conservados. Para os olhos de um brasileiro ou, imagino, de qualquer habitante de um país “em desenvolvimento”, isso parece uma insanidade. Entretanto, trocar os equipamentos usados ou com pequenos problemas mecânicos é normalmente mais barato do que consertá-los. Por quê? Simplesmente porque vários destes utensílios são manufaturados em países com mão-de-obra abundante e barata, nos quais trabalhadores mal-pagos e explorados produzem quantidades massivas de eletrônicos e bens de consumo em geral, que são exportados a preço de banana para os poderosos detenedores de moedas fortes como o dólar, euro e libras esterlinas. Nestes últimos países qualquer cidadão trabalhador tem acesso fácil a bens de consumo, e os compram desenfreadamente, movendo o motor do capitalismo e do consumismo. Se forem contratar um técnico local para consertar um equipamento ou móvel, este cobrará o serviço em euro, logo se torna mais fácil, prático e barato continuar importando os produtos novos do que consertar os antigos.

As cidades crescem rapidamente, a população sendo massivamente incrementada por um fluxo sem fim de imigrantes, causando uma das maiores questões públicas da atualidade européia: o custo da moradia. Seguindo a regra da oferta e da procura, como o número de pessoas chegando e procurando um lugar ao sol (ou à sombra, já que são poucos os prédios que recebem luz do sol diretamente nesta densa cidade) não pára de crescer, há muita demanda de moradia nos grandes centros. Resultado: os preços subiram astronomicamente nos últimos tempos, com apartamentos simples custando cotados a 200.000 euros para venda, o aluguel de um apartamento inteiro em torno de 1000 euros mensais e o aluguel de um quarto em torno de 300 euros. Alugar uma moradia é com certeza um dos melhores, se não o melhor, negócio: requere pouca dedicação por parte do proprietário e dá retornos rápidos e relativamente seguros.

Em resposta a este fenômeno, ocorrem protestos populares, organizados em sua maioria por estudantes, pelo direito do acesso de todos a vivienda. Cartazes e panfletos por toda cidade com os dizeres: “No va tener uma casa em la puta vida; pisos vacios y calles llenas” mostram a indignação da população contra a chamada especulação imobiliária. O governo tenta em resposta a isso construir e oferecer moradias de  baixo custo, que são distribuídas em gigantescos sorteios, que não chegam nem perto de atender à elevada demanda da sociedade. Há também projetos de alugar apartamentos ou quartos para estudantes a baixos preços, porém o problema não vai ser resolvido devido ao influxo constante de pessoas.

A lógica por trás deste fenômeno que tanto divide o público como os políticos europeus é simples e cruel. Já que todos os países produzem alguma coisa, que em si possuem algum valor, todos em teoria devem receber alguma fatia das trocas destes produtos. Dito isso, os trabalhadores dos países chamados “subdesenvolvidos” e “em desenvolvimento” (um novo termo um tanto pejorativo e que só tende a perpetuar a atual situação; significa algo como Terceiro Mundo aspirante a Primeiro; inclui o nosso país) mereceriam pelo menos algo que lhes garantisse uma vida digna; entretanto, ao entrar no “cassino” internacional das bolsas de valores e do comércio internacional, o valor dos produtos e serviços produzidos por estes países é reduzido, normalmente de forma proporcional ao valor de suas moedas e ao grau de não-processamento dos mesmos, entre outros; enquanto que os ricos países detentores de moedas fortes adquirem todos os alimentos e matérias primas para suprir as necessidades de seus cidadãos (e dos imigrantes também), novamente colocando seus produtos no mercado internacional a preços caríssimos, que são comprados com boa parte da riqueza dos países pobres, usualmente concentrada em elites que vivem em um mundo paralelo de fartura em relação a seus conterrâneos. Um forte resquício do colonialismo – e de escravidão - em pleno século XXI.

Com pouco restando para a população em geral, aqueles ousados o suficente tentarão vir para cá tentar uma nova vida, na qual pelo mesmo esforço levarão uma vida muito melhor e terão condições de ajudarem suas famílias. Aqueles em melhores condições virão de avião e tentarão se passar por turistas; outros virão de ônibus ou trem, onde a fiscalização é menor, e alguns se arriscarão a cruzar a fronteira a pé ou de barco (as vezes atravessando o Mediterrâneo ou o Atlântico em frágeis jangadas, com pequena probabilidade de sucesso). É arriscado, mas para quem já não tem nada a perder, vale a pena.

Assim se fecha o ciclo. É o que falta os europeus e também aos norte-americanos perceberem. Enquanto continuarem explorando o mundo todo para manterem seu elevado padrão de vida, não poderão reclamar de multidões de imigrantes tomando conta das ruas de suas grandes cidades, pois como toda a riqueza e recursos são trazidos para cá, também virão as pessoas. Apesar de preocupante, o trabalho imigrante já se tornou indispensável: é raro ver um habitante nativo realizando trabalhos de baixo escalão. Logo, lhes restam poucas alternativas. Ou aceitam a evolução de suas sociedades para um caldeirão multi-étnico-cultural, na qual a proporção da etnia nativa de cada região será rapidamente reduzida (além do influxo de imigrantes, estes tendem a ter uma taxa de natalidade superior), ou então devem tratar de trabalhar urgentemente e efetivamente para que a riqueza mundial seja distribuída de forma mais justa. Simplesmente reforçar o serviço de imigração não conseguirá conter a maré se pessoas que para cá rumam como gafanhotos sobre abundantes lavouras.

Ricardo Viera Dalbem (2007)